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Na Grécia antiga as competições esportivas tinham um caráter sagrado, mas desde essa época eram disputadas por atletas profissionais e patrocinados, que muitas vezes recorriam a métodos escusos para vencer
MUSEU BRITÂNICO, LONDRES
Arremessador de discos, escultura de mármore, cópia romana de original grego, autor desconhecido, s/d
por Violaine Vanoyeke

Tudo o que faz a glória e a vergonha do esporte no século XXI já existia na Grécia antiga: treinamento intensivo, dietas, transferências de clubes, profissionalismo, semiprofissionalismo, amadorismo e doping.

O dinheiro, claro, também estava presente. Desde que os Jogos Olímpicos passaram a ser organizados oficialmente, os atletas foram remunerados. Quando se tornaram disputas entre as cidades, nas quais o prestígio nacional ou local estava em jogo, as autoridades passaram a patrocinar seus representantes. Mantinham colégios de atletas e, quando não conseguiam formar nenhum campeão, compravam um no estrangeiro.

Em Atenas, em 580 a.C., Sólon promulgou uma lei que estipulava um prêmio de 500 dracmas para cada cidadão que vencesse as Olimpíadas. Como um carneiro valia aproximadamente uma dracma, essa quantia era considerável. Sem contar que os campeões adquiriam status e privilégios, como a dispensa de pagar impostos.

Inicialmente reinava uma louvável concorrência entre amadores desinteressados. Com o tempo, porém, a ambição das cidades fez com que as autoridades passassem a pressionar seus atletas a vencer. Os esportistas começaram então a treinar em tempo integral e a se especializar em uma modalidade para aumentar suas chances de sucesso, contrariando o ideal do atleta homérico, que deveria ser um homem completo.

Reunidos em diferentes corporações de acordo com a modalidade que praticavam, todos os esportistas seguiam uma dieta específica. Os lutadores eram submetidos a uma perigosa superalimentação. Já o corredor Astilo de Crotona, pelo contrário, preconizava uma dieta mais leve. Treinadores famosos, como Ico de Tarento no século IV a.C., prescreviam tratamentos científicos e médicos para os competidores.
REPRODUÇÃO
Representação artística moderna da cidade de Olímpia, onde eram realizados os jogos na Antiguidade (gravura, autor desconhecido, 1891)
Seguindo o exemplo de Atenas, outras cidades começaram a oferecer aos seus campeões a soma considerável de 5 talentos (um talento valia 6 mil dracmas). O atleta laureado era sustentado pelo resto da vida pela cidade e podia receber uma renda mensal de até 200 dracmas.

Os valores das premiações trans-formaram o espírito dos jogos. Os próprios atletas se vendiam a quem pagasse mais. O cretense Sotades, que venceu a corrida de daulichos(4.700 metros) nos 99º Jogos Olímpicos (384 a.C.), aceitou correr pela cidade de Éfeso quatro anos mais tarde. Os cretenses o puniram e o exilaram. Astilo de Crotona, cidade habituada a conquistar a maior parte dos prêmios olímpicos, ganhou, em 488 a.C., a corrida do estádio (cerca de 200 metros) e o diaulos (prova de 400 metros) e se apresentou nos jogos seguintes como cidadão de Siracusa.

Diante do desenvolvimento do profissionalismo, as escolas de esporte e os ginásios multiplicaram-se nas cidades. Os pedótribas (professores de educação física) recrutavam garotos a partir dos 12 anos. Esses treinadores particulares, às vezes ex-atletas, eram cada vez mais bem remunerados. Dessa forma, Hippomachos cobrava 100 dracmas por aula.

Os atletas eram cuidadosamente selecionados e estavam dispostos a tudo para conquistar o título deperiodonico, o vencedor dos Jogos Olímpicos. Assim, em 388 a.C., durante a 98ª Olimpíada, constatou-se o primeiro caso de corrupção: o boxeador Eupolos comprou três adversários, entre os quais o detentor do título. O senado de Olímpia impôs uma multa aos quatro homens e, com a quantia obtida, mandou erigir seis estátuas de bronze de Zeus, que foram dispostas no bosque sagrado de Altis. Em 332 a.C., um atleta ateniense, Calipo, também subornou seus adversários. Como se recusaram a pagar a multa, todos os atenienses foram excluídos dos jogos.

Origens Existem várias lendas sobre o nascimento dos Jogos Olímpicos, mas nenhuma explica suas verdadeiras origens. Sabe-se apenas que as competições tinham um caráter sagrado. A cidade de Olímpia, onde eram realizados os Jogos, era considerada um local mítico, que conferia imortalidade aos vencedores, por isso acredita-se que as Olimpíadas nasceram como competições que acompanhavam os funerais dos heróis. Os jogos fúnebres com os quais Aquiles honrou Pátroclo na Ilíada reuniram arqueiros, lançadores de dardos, corredores e lutadores. Os Jogos Olímpicos, portanto, teriam sido originalmente jogos funerários celebrados em honra de Pélope, rei mítico da região do Peloponeso, antes de serem consagrados a Zeus.
Se, de acordo com uma das lendas, o rei Ifitos de Élida fundou os jogos em 884 a.C., as Olimpíadas passaram a ser contadas oficialmente só a partir de 776 a.C., quando havia apenas uma prova: a corrida do estádio (cerca de 200 metros), que era disputada ao pé do monte Kronion.

Naquela época, participavam dos Jogos apenas os habitantes de Pisa e de Élis, cidades da região de Élida, onde ficava Olímpia. Mais tarde, as cidades da região do Peloponeso, entre as quais Esparta, começaram a enviar seus atletas para Élida. O primeiro espartano sagrou-se vencedor em 720 a.C. Logo, 5 ou 6 milhões de gregos assistiam aos jogos. No final do século V a.C., o sofista Hípias de Élis publicou uma lista de campeões. Atualmente, graças à lista do papiro de Oxirrinco, são conhecidos 921 dos 4.237 vencedores.

Durante os Jogos era proclamada uma trégua geral, e todos os combates entre gregos deviam cessar. Nenhum exército podia pisar o solo de Olímpia. Também era proibido impedir os atletas de participar das provas. Os Jogos se transformavam então no símbolo da luta entre as cidades pela via pacífica.

Assim como hoje, os Jogos Olímpicos eram inaugurados por uma grande cerimônia de abertura, quando os atletas chegavam a Olímpia, vindos de Élis, ao fim de dois dias de caminhada. Sob as árvores do bosque sagrado de Altis eram expostas as estátuas dos vencedores anteriores, de bronze, mármore e ouro.

Inicialmente, o festival durava apenas um dia. A festa foi crescendo, e, em 520 a.C., o programa dos Jogos Olímpicos já tinha adquirido sua forma definitiva. O primeiro dia era dedicado às cerimônias; o segundo, às provas eliminatórias de corrida a pé: a prova do estádio (cerca de 200 metros), o diaulos(prova de dois estádios, cerca de 400 metros) e o daulichos (a corrida de longa distância, de cerca de 4.700 metros). Quarenta mil espectadores acomodavam-se nas arquibancadas para assistir às competições.
MUSEU BRITÂNICO, LONDRES
Atleta recebe “medalha” olímpica. O símbolo da vitória podia ser uma coroa de louros ou, como nesta imagem, uma fita de lã que era colocada no pescoço do vencedor. Pintura de cálice ateniense do século V a.C., autor desconhecido.
O terceiro dia era reservado ao pentatlo, série de cinco provas, cada uma de uma modalidade diferente: lançamento de disco, lançamento de dardo, salto em distância, corrida do estádio e luta grega. Ganhava o pentatlo quem vencesse três das cinco provas.

No quarto dia era a vez das competições de luta grega, pugilato (ancestral do boxe) e pancrácio, a prova mais mortífera, em que tudo era permitido, com exceção de golpes nos olhos. No quinto dia eram realizadas as finais das corridas a pé, e o sexto dia era dominado pelas corridas de cavalos, que incluíam tanto as provas em que um jóquei montava o animal quanto as competições de carros – bigas, quando eram puxados por dois cavalos, e quadrigas, movidos por quatro animais.

No sétimo dia, realizavam-se as cerimônias de encerramento. Um cortejo descia do Altis, formado pelos juízes, pelos vencedores das provas, pelas autoridades de Élis e de Olímpia e pelas delegações, seguidos pelas estátuas dos deuses carregadas ao som de flautas e cânticos. O arauto anunciava o nome, a pátria e o desempenho dos vencedores diante de uma estátua de Zeus. Os juízes lhes entregavam uma coroa de ramos entrançados da oliveira silvestre trazida por Hércules do país dos Hiperbóreos. Hecatombes (sacrifício de 100 animais) eram oferecidas a Zeus. Um banquete reunia os membros do senado, os vencedores e as personalidades. Os olimpionicos (participantes dos jogos) ofereciam sacrifícios.

Decadência A história dos Jogos Olímpicos acompanhou a evolução política da Grécia antiga. Depois de viver seu auge na primeira metade do século V a.C., quando a aliança entre Esparta e Atenas contra os persas (481-479 a.C.) deu certa unidade ao mundo grego, o festival começou a entrar em decadência no momento em que as duas cidades-Estado passaram a se enfrentar na Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.), o que culminou com a expulsão de Esparta dos jogos em 420 a.C.
MUSEU ARQUEOLÓGICO NACIONAL, ATENAS
A luta greco-romana era uma das modalidades que já faziam parte das competições da Antiguidade. Jovens lutando, relevo de mármore, autor desconhecido, séc. V a.C.
Desse momento em diante, Olímpia se tornou alvo das guerras entre as cidades gregas, o que fez com que em 365 a.C. os habitantes de Élis interrompessem a cronologia tradicional nos 104º Jogos Olímpicos. No século III a.C., Olímpia foi conquistada pelos romanos, que começaram a participar dos jogos. No século I d.C., até imperadores como Tibério e Nero estiveram entre os competidores. Este último, aliás, mandou jogar as estátuas dos antigos campeões em latrinas para apagá-los da história.

O último vencedor conhecido foi um príncipe armênio de origem persa, Varazdates (373 ou 369). Logo depois, em 393, o imperador Teodósio aboliu os jogos, em um esforço para acabar com todas as celebrações pagãs e fazer do cristianismo a religião oficial do Império Romano. Em 395, Alarico e os godos devastaram Olímpia. Em 426, o imperador bizantino Teodósio II mandou incendiar os templos, e, por volta de 550, um terremoto destruiu a cidade. Era o fim dos Jogos Olímpicos da Antiguidade.

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